Com provocações e argumentos fora do senso comum, o executivo que representa o setor de carvão no País entende que a pressão de líderes globais e investidores por uma mudança radical na matriz energética pode levar à insegurança tanto no abastecimento de energia quanto no de alimentos.
Formulado na 3ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas no Japão, em 1997, o Protocolo de Kyoto foi o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa. De lá para cá, a agenda ganhou musculatura. O gatilho veio do mercado de capitais, que passou a ver o aquecimento global como risco de negócio e, quase concomitantemente, colocou os combustíveis fósseis como um dos principais vilões da agenda ambiental. Nesta entrevista à DINHEIRO, Fernando Zancan defende a indústria que representa 80% da matriz energética mundial, propondo uma nova solução para a tumultuada relação entre o controle da temperatura do planeta e a energia de origem mineral.
DINHEIRO — Hoje a indústria do carvão é apontada como vilã do meio ambiente. Qual é o futuro desse mercado?
FERNANDO ZANCAN — Estamos sofrendo um escrutínio global por uma confusão de conceitos. Dentro do necessário processo de descarbonização da economia, há um entendimento errado de que é preciso acabar com o combustível fóssil. Pregam o fim da fonte, e não a solução do problema decorrente da emissão dos gases de efeito estufa. Os fósseis representam 80% da matriz energética mundial e, pela sua representatividade, viraram alvo. Mas a solução para as questões climáticas não é acabar com o combustível fóssil, é descarbonizar a cadeia. Temos de capturar o CO2, armazená-lo ou dar outra destinação para ele e planejar uma transição energética de um modelo de alto para o de baixo carbono sem destruir valor econômico nem social.
Qual a dimensão do mercado de carvão?
A produção de carvão acontece em diversas regiões. O que a China produz em um dia é o equivalente ao que o Brasil minera em um ano [o volume anual do país asiático é de 3,84 bilhões de toneladas]. Por aqui, são 10 milhões de toneladas por ano. Já na Alemanha, são 170 milhões de toneladas. E por aí vai. Só o mercado de exportação movimenta 1 bilhão de toneladas, com Austrália e Indonésia como líderes.
O Brasil é, então, um produtor marginal?
O carvão brasileiro está intocável.
Ainda assim, o impacto econômico é forte o suficiente para a geração de riqueza?
Especificamente em Santa Catarina [um dos estados de maior produção], estamos falando de R$ 5 bilhões por ano e 20 mil empregos na cadeia produtiva, o que envolve a mina, uma ferrovia dedicada, uma usina e a fábrica de cimento. Na Europa, 300 mil pessoas trabalham na indústria.
Qual a situação da Ásia neste contexto?
No caso da Ásia especificamente, a fonte principal de energia é o carvão, já que a região não tem petróleo nem gás. Mas só na Índia existem 300 milhões de pessoas sem acesso à energia elétrica e uma das maneiras de suprir essa necessidade é com combustível fóssil. Sem dúvida a região vai registrar aumento do uso de carvão. Seja via produção interna, seja via importação.
Se o carvão é tão essencial para a economia, o que explica os donos do capital levantarem bandeira tão agressiva contra sua produção?
É uma questão de mercado. Vamos para a Europa. A Inglaterra, que era exportadora de gás, virou importadora. A produção da Holanda começou a cair. As fontes fósseis da região começaram a se depreciar e as minas de carvão profundas ficaram caras. Então a Europa depende 70% de importação de fósseis. Olhando tudo isso, o bloco começou a procurar independência e olhou para o sol e vento como fontes energéticas.
O uso de fontes renováveis parece solucionar diversos problemas, não?
Há exceções como a Alemanha, que durante os quatro meses de inverno não tem sol ou vento. Então ela busca carvão na Polônia e energia nuclear na França. Mas a Europa se moveu com o intuito de tentar aumentar sua segurança energética e apostou no gás como opção de transição energética contando para isso com os russos.
E aí veio a guerra… Qual o impacto para o mercado?
Vladimir Putin [presidente da Rússia], com uma das maiores reservas de petróleo, gás e carvão do mundo, tinha um plano de ser o maior exportador de carvão em 2035. Queria passar a Austrália e a Indonésia e, para isso, iria investir mais de US$ 20 bilhões na infraestrutura necessária. Nos planos, a construção de dois portos no Ártico e 1,4 mil quilômetros de ferrovia para abastecer países asiáticos. Agora ninguém sabe o que vai acontecer. Mas a China vai continuar a demandar carvão e a crise energética na Europa está latente.
Quais serão as consequências?
A Rússia é o terceiro maior exportador de carvão do planeta, e está entre os maiores de gás e petróleo. Com o embargo da Europa a esses produtos, eles provavelmente vão redirecionar a mercadoria para a China.
Enquanto isso, a demanda por petróleo, mesmo com preços inflacionados, sobe. Pode-se esperar a continuidade da luta entre o discurso ESG e a necessidade de combustíveis fósseis?
O preço dos combustíveis fósseis subiu e uma das razões foi a falta de oferta decorrente da pressão do discurso do ESG pela não produção dessas commodities. Não estou defendendo que não temos que trabalhar as práticas ESG. Temos. Mas o desejo do ativismo ambiental de querer virar a chave da matriz energética rapidamente causou essa crise energética e o aumento de preços que antecedeu a guerra da Ucrânia.
O senhor falou sobre o ativismo ambiental. Mas uma das maiores pressões para a mudança dos investimentos na matriz energética veio do CEO da BlackRock, Larry Fink, que desaconselhou alocação de recursos na produção de fósseis. Não foi esse o grande impulso?
O que está acontecendo neste exato momento é que alguns desses investidores já estão dizendo que não é bem assim. Como o custo de energia mudou e a crise energética veio à tona, muito investidor voltou atrás. Viveremos um momento de acomodação.
O setor defende, então, o fim da transição energética?
Não. A transição energética precisa continuar. Mas em vez de a agenda ser o fim da produção de combustível fóssil, que representa 80% da matriz energética mundial, é preciso que a discussão seja sobre os investimentos que precisam ser feitos em tecnologias de captura de CO2.
Essa agenda foi muito impulsionada pelo presidente americano Joe Biden. Como os Estados Unidos estão reagindo no novo cenário?
Há diversos artigos falando do dilema de Biden. Ele falou que vai ser o campeão da mudança climática, mas está neste momento incentivando a produção de fóssil. Os ambientalistas cobram dele, mas os americanos precisam de gasolina. Não é por acaso que [em março] o Biden pediu para o Brasil aumentar a produção de petróleo. O mercado ainda não está eletrificado e vai demorar para chegar lá. Onde estão os minerais críticos para a produção das baterias? Essa é outra questão geopolítica.
A COP-26 foi, então, um grande greenwashing?
Não vou dizer isso (risos). Mas o mundo real bateu à porta. A pobreza energética está crescendo, assim como a insegurança alimentar. Como resolver a questão? Com captura de CO2 e aumento de energia renovável. As duas frentes precisam acontecer.
Diante de toda essa complexidade, o Brasil cumprirá o acordo de ser netzero em 2050?
Para cumpri-lo, o Brasil tem que começar a estudar imediatamente a indústria de captura e armazenamento de carbono (CCS). Hoje já temos indústrias de etanol que querem ter emissão negativa, mas não há legislação para isso. Precisa ter quem verifique, controle e monitore essas práticas. Precisamos de um marco regulatório, mas ele ainda não existe.
Além de legislação, como avalia a necessidade de recurso para fazer cumprir o plano?
O Acordo de Paris tinha uma premissa basilar: o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Nele, os ricos deveriam fazer um fundo de US$ 100 bilhões anuais. E nada aconteceu.
O senhor fala sobre a descarbonização da produção de fósseis, mas essa tecnologia já está disponível?
Sim. Temos uma planta no Canadá que funciona há anos. No Brasil, temos uma planta piloto com tecnologia americana rodando há cerca de cinco anos em Criciúma (SC) e agora vamos investir mais R$ 7,5 milhões na segunda fase do projeto para ampliar a captura de carbono de 50% para 95%. É caro, mas o solar e o eólico eram caros há 20 anos. Eles ficaram baratos porque houve um subsídio enorme do governo europeu para fazer a curva de aprendizagem.
É isso que precisa acontecer na captura de CO2. Aqui e no mundo.
Assim como o senhor falou sobre os Estados Unidos, no Brasil crescem também os investimentos em mineração. Mas além da emissão de CO2, a atividade representa uma destruição dos biomas, da biodiversidade. Um problema a mais para o Brasil.
O País está aumentando sim os investimentos em mineração, mas é preciso muito mais. O mundo precisa de minério. Para construir uma pá de energia eólica é preciso terras raras. É mineração. Para produzir carro elétrico é necessário lítio, cobalto e cobre. É mineração. O mundo inteiro minera. Mas é preciso fazer isso com cuidados ambientais. O mundo já tem técnicas e tecnologias para isso. Então a discussão não é se tem que deixar o carvão embaixo da terra ou não. É sim, ou deveria ser, sobre como melhor usar esse carvão com boas práticas.