A transição energética de combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia de modo a combater as mudanças climáticas tem entre os principais prejudicados o carvão, mas ainda é possível que o mineral continue sendo usado, com o desenvolvimento de tecnologias para reduzir a poluição gerada por ele.
A análise é de especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, que argumentam que não faria sentido encerrar por completo o uso do carvão como fonte de energia.
De um lado, a continuidade do uso do mineral representa um potencial de segurança energética. Ao mesmo tempo, o fim do uso do carvão representaria também o fim de todo o setor ligado à commodity no Brasil.
Esse setor se concentra quase inteiramente no Sul do país, segundo Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM). O motivo é a alta concentração das reservas na região, no chamado “cinturão carbonífero” brasileiro.
Atualmente, a extração de carvão se concentra nos estados do Rio Grande do Sul, com cerca de 89% das reservas e o município de Candiota em destaque, e Santa Catarina, com 9%, em especial na região de Criciúma. Há, ainda, uma atividade menor no Paraná.
Existem diferentes tipos de carvão, com alguns sendo mais apropriados para gerar energia e outros para uso industrial. No caso brasileiro, o carvão extraído é o do primeiro tipo.
“Usamos basicamente 83% do carvão nacional para abastecer usinas termelétricas, que acabam ficando também no Sul do país”, explica Zancan.
Segundo ele, 1,7% do total de geração de energia do Brasil teve origem no carvão, sendo que 0,9% foi via carvão nacional e 0,8%, importado, transportado a partir de portos nos estados do Ceará e Maranhão.
A pequena parte de carvão nacional usado em processos industriais costuma se destinar para aquecimento e secagem, enquanto a parcela importada vai para as siderúrgicas, com um papel importante na produção de aço.
Zancan afirma que a indústria de carvão movimenta hoje cerca de R$ 9 bilhões no Brasil. Apenas em Santa Catarina, são R$ 5 bilhões, sendo responsável por 53 mil empregos diretos e indiretos.
“A importância do carvão é isso, tem a mina, transporte, usina, manutenção. Tem que botar gente trabalhando, abrir usina, manutenção. É um setor muito intensivo em emprego e renda”, destaca o presidente da ABCM.
Nesse sentido, ele acredita que uma consequência é que o setor seja colocado em risco conforme a transição energética avança. Sem descartar a importância do processo, Zancan defende que é importante evitar “demonizar” o carvão.
Transição e carvão
Mundialmente, o carvão corresponde a 38% da matriz elétrica, o que indica a importância da fonte, afirma o professor da UFRGS Jorge Gavronski.
A tendência, diz, é que o carvão inclusive ganhe um pouco mais de espaço apesar do movimento de transição, beneficiado por preocupações de segurança energética em meio à guerra na Ucrânia e à pandemia.
“O mundo não pode ficar só com renováveis, por mais que elas estejam crescendo muito, porque são intermitentes, dependem do tempo. Precisa ter uma segurança, que são as energias térmicas: nuclear, carvão, gás ou petróleo”, ressalta o professor.
O quadro brasileiro, porém, é diferente. Desde a década de 1970, o país optou por uma matriz mais renovável e limpa ao priorizar usinas hidrelétricas. Dados mais recentes apontam que pouco mais de 50% da matriz energética é renovável, um dos maiores níveis do mundo.
Pensando apenas nas termelétricas, o carvão também perdeu espaço nos últimos anos para o gás natural, visto como uma alternativa menos poluente. Há, ainda, o biogás e a biomassa, considerados mais limpos.
No caso do Brasil, a alternativa do gás vem ganhando ainda mais apoio após as descobertas de grandes jazidas no pré-sal, indicando uma tendência de crescimento dessa fonte.
Segundo Gravonski, a combinação de perda de espaço para o gás natural e as fortes críticas devido aos impactos ambientais já afetam o setor do carvão no Brasil.
“Em Criciúma, as usinas têm conseguido postergar contratos de operação, mas não parece que o setor vai crescer, o esforço tem sido para manter, não tem investimentos para modernizar”, aponta.
Já no Rio Grande do Sul, o professor afirma que “ teve usinas a carvão que fecharam, então a exploração está em queda. O que resta são as usinas na região de Candiota, onde faz sentido gerar via carvão pelas reservas e uma posição de gerar energia térmica na ponta do sistema, tem uma lógica por trás”.
A tendência, porém, é que, quando os contratos de operação das termelétricas chegarem ao fim, as atividades de mineração e no restante da cadeia também comecem a minguar, reduzindo o tamanho do setor.
Para o professor, é esse uso estratégico do carvão, como fonte de energia segura em regiões com alto potencial produtivo, que ainda faz sentido no Brasil, e poderia dar uma sobrevida ao mineral, reduzindo o impacto econômico da falta de exploração.
No caso de Candiota, ele defende que é “vantajoso manter esse esquema, até ampliar, com medidas de apoio e incentivo. Até essa área tem enfrentado dificuldade pela falta de financiamento, sejam nacionais ou internacionais, com uma retirada de apoio para o setor”.
A visão de Gravonski é que projetos como o de Candiota, que unem exploração e geração de energia via carvão, são necessários “mesmo do ponto de vista ambiental. Seria interessante discutir mais sobre, do ponto de vista técnico, manter um sistema com emissões controladas, reguladas”.
E, pensando nessa perspectiva, a tecnologia pode acabar sendo uma importante boia de salvação para o setor.
Zancan cita um esforço federal recente, com o lançamento do Plano de Carvão Sustentável, para “trabalhar desenvolvendo tecnologias e visando chegar em um carbono zero”.
“Não é deixar de usar, é descarbonizar, que não é acabar com o fóssil, é acabar com a emissão”, explica. A grande tecnologia por trás disso, diz, é a de captura de carbono, ou seja, dos gases poluentes emitidos na queima de carvão.
Entretanto, ele acredita que “a velocidade desse processo depende do movimento dos países ricos, em termos de tecnologia, de desenvolver e chegar ao Brasil”.
O presidente da ABCM destaca que “a indústria reconhece que emite e está trabalhando para capturar carbono, porque se não não tem vida. Temos um pré-sal de carvão intocado, mas que só vai poder ser usado, para produzir hidrogênio por exemplo, se capturar carbono”.
Zancan observa, ainda, que as termelétricas movidas a carvão são as mais baratas em termos de custo e expansão. Mas um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também aponta que são as que mais emitem gases poluentes.
Na visão dele, o papel estratégico do carvão tende a ganhar espaço nas políticas públicas após casos como o da crise hídrica de 2021, em que “se não tivesse térmicas, com a escassez de água, teria tido apagão no país”.
“Precisa ter todas as fontes operando para ter segurança energética, e fontes nacionais, que não dependem de preço internacional, caso do carvão”, ressalta.
Para Zancan, “descarbonizar não é acabar com fóssil, não é ir para renovável, é ir para energia limpa, e isso inclui térmicas com captura de carbono, daí a importância de criar essa indústria, e ter essa segurança”.
Já Gravonski observa que, olhando pela questão de rentabilidade, ainda faz “todo sentido” ter termelétricas a carvão no Sul.
Porém, “os licenciamentos são custosos, e o benefício das térmicas para a estabilidade do sistema ainda não é entendido. As usinas de Candiota dariam energia mais barata. Faria sentido, mas há muita dificuldade”.
O professor vê um potencial regional para o uso energético do mineral, mas que demandará, além de tecnologias de captura de carbono, uma “compreensão da sociedade, além de dar garantias aos investidores, segurança jurídica, reforçar a importância”.
“A questão da transição acaba sendo reduzido a uma demonização. Acho que o assunto ainda é tratado de forma emocional, falta um olhar estratégico. A boa notícia é que as renováveis estão barateando, ganhando escala e investimentos. O problema é ter térmicas para ter segurança, e a sociedade ainda não entende muito isso”, opina.
Texto: CNN Brasil